sábado, 3 de dezembro de 2011

II DOMINGO DO ADVENTO





EVANGELHO

Naqueles dias apresentou-se João Batista proclamando no deserto da Judéia: “Convertei-vos, porque o reino dos céus já está perto”. Dele é que tinha falado o profeta Isaías: Uma voz clama no deserto: preparai o caminho do Senhor, retificai suas estradas. João trazia uma roupa feita de pêlos de camelo e um cinto de couro em torno dos rins. Seu alimento era constituído de gafanhotos e mel silvestre. Acorriam então para ele os habitantes de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a região do Jordão. E eram batizados por ele no rio Jordão, reconhecendo publicamente os seus pecados. Vendo que muitos dos fariseus e Saduceus procuravam ser batizados por ele, disse-lhes: “Raça de víboras, quem vos sugeriu escapardes da cólera que está chegando? Portanto, produzi frutos que sejam o testemunho da vossa conversão, sem presumirdes que vos basta dizer dentro de vós: ‘Temos por pai a Abraão’. Pois eu garanto que Deus pode fazer destas pedras surgirem filhos para Abraão. O machado já está à raiz das árvores, e toda árvore que não der bons frutos será cortada e lançada ao fogo. É verdade que eu vos batizo com água em vista da conversão, mas aquele que há de vir depois de mim é mais poderoso do que eu, e eu não sou digno de lhe carregar as sandálias. Ele vos batizará no Espírito Santo e no fogo. Tem a mão na pá e limpará bem sua eira: recolherá o trigo no celeiro. A palha, porém, vai queimá-la no fogo inextinguível”.» (Mt. 3, 1-12).


COMENTANDO O EVANGELHO DO DIA

Pe. Carlo


No domingo passado a liturgia nos propôs a esperança, ou seja, a virtude cristã embasada na certeza de que Deus age e que o resultado já está garantido não pela presunção humana, mas pela palavra que Deus dá. Também na segunda leitura de hoje Paulo nos convida a “manter viva a esperança”, a perseverar na esperança, pois esta não decepciona. Quando todo o nosso ser está tenso na expectativa, qualquer faculdade se torna mais sutil, mais perspicaz, mais capaz de intuir onde se encontra a resposta. A capacidade de esperar é uma manifestação de amor. Esperamos o que amamos, o que é importante par nós. Quando esperamos algo essencial, Deus sempre nos oferece condições para encontrar o que buscamos, pois o desejo que Deus sempre teve é a felicidade do homem. Contudo, Ele nunca nos dá algo que não seja resultado de um esforço conjunto: mesmo que frágil e sem condições o homem deve ser participe de sua realização. Se assim não fosse o próprio Deus estaria desrespeitando a dignidade da sua melhor criatura e mais: nenhum paternalismo instaura dinâmicas que proporcionam a felicidade. A felicidade exige o envolvimento e se manifesta como realização também de um processo.

É nesta ótica que a leitura de hoje se coloca como uma proposta, uma proposta feita a todos os que estiverem bem dispostos. Uma proposta que foi percebida, por alguns, como resposta às expectativas tão fortes daquela época, já que desde há muito tempo Israel não tinha mais profetas e lideres religiosos confiáveis. A verdadeira fé havia se transformado em simples religiosidade feita de barganhas; o ritualismo triunfava sobre a boa disposição... Era naquele contexto que se apresentava, a quem o quisesse ouvir, a pessoa de João.

Finalmente um sinal. Sua postura recordava imediatamente os primórdios de Israel, povo que nasceu “no deserto”, que descobriu sua identidade caminhando “no deserto”, que conheceu seu Pai e Libertador “no deserto”. A partir daquele mesmo lugar, quase a dizer: «Lembrem-se do início», João oferecia aos que estivessem dispostos a ouvir, o anuncio do início de uma nova história. Esta nova história deveria começar exatamente por onde começou a primeira: no deserto das seguranças, no deserto das forças, no deserto das ilusões. Deus estava oferecendo àquelas pessoas que iam a João o Batista uma nova identidade, uma nova vida. Deus estava renovando para tantas pessoas que viviam à margem da sociedade bem-pensante e religiosa uma nova identidade do mesmo modo que, outrora, ofereceu a um aglomerado de semitas que estavam no Egito a possibilidade de se entenderem como povo. Eles não se conheciam como povo, mas Deus Já os via como “seu povo” bem antes que estes o escolhessem percorrendo o caminho do deserto.

Novamente, hoje, este dia de Advento vem reiterar a oferta de Deus para uma renovação. Ele quer fazer de nós pessoas novas e capazes de recomeçar sempre de novo a partir das nossas origens, daquilo que radicalmente existe no nosso ser. È como a poda da roseira na época certa, que aproxima o galho cada vez mais do tronco, da raiz, a fim de que prorrompa nele todo o poder vital, sua força de embelezar o mundo. È o que Deus quer fazer de nós para termos um mundo mais humano.  

Finalmente um sinal. João, com seus trajes típicos de profetas (cfr. 2Rs.1,8), recordava a todos que a palavra de Deus é sempre viva e presente, mesmo quando por longo tempo não a percebemos. João se alimentava de «gafanhotos e mel silvestre», e assim fazendo, simbolicamente recordava que o homem, para se encontrar, deve retornar ao essencial, ali, perto de suas raízes, principalmente quando se dá conte de ter-se perdido atrás de muitas coisas que tomaram conta de sua vida. João vinha dar uma palavra de clareza, uma palavra objetiva que ainda hoje nos ajuda a vermos o que realmente somos. Seu anúncio nos ajuda a dar o primeiro passo rumo à liberdade, sim, porque começamos a ser pessoas livres quando conhecemos a aceitamos a verdade sobre nós mesmos; daqui nasce a capacidade de recomeçar sempre como se fosse a primeira vez. João nos ajuda a não ter medo das mudanças que a conversão exige; seu apelo nos torna livres para seguir o caminho do Senhor, sempre novo e, por isso, capaz de renovar-nos sempre. Se na antiguidade Jahvé havia oferecido o caminho do deserto para desenvolver a identidade nova de Israel, agora estava oferecendo, com João, um novo caminho, um caminho que certamente prepara e dispõe o coração para os milagres que Deus reserva aos que forem capazes de percebê-los. Este novo “caminho do Senhor”, ainda hoje desafiador, começa com um simples ato, que talvez seja um dos mais difíceis: reconhecer quem somos. «Confessai os vossos pecados» dizia João, não com ênfase pessimista ou depressiva (o que não leva a nada), mas com clareza e sinceridade para consigo mesmos. Se a vida nos leva a ter que assumir posições, imagens, até máscaras, porque as condições o exigem ou porque às vezes fica mais fácil... João vem dizer-nos que isto aos poucos vai criando uma distância cada vez maior entre o que somos, a nossa raiz, e o que pensamos de ser ou que “devemos ser” para sermos aceitos. É uma progressiva desarmonia que vai se infiltrando em nosso coração e que pode estourar num terrível conflito quando qualquer circunstância imprevista vem nos dizer quem de fato somos. E se não estivermos preparados? E se não tivermos adquirido a capacidade de retornar à origem do nosso coração, de seus verdadeiros desejos, daquilo realmente condiz como que somos?

Sem dúvida não existe liberdade nem alegria quando vivemos um papel, uma imagem, uma figura de nós mesmos. «Confessai..», dizia o Batista; “não tenhais medo de dizer a vos mesmos que houve erro de objetivos” (a palavra “pecado”, na linguagem militar da época, indicava: “distância”, “erro de alvo”). O primeiro passo para a liberdade, para a nova identidade, passa por este “«caminho do Senhor», diferente do “caminho” da lógica comum que nos incentiva a esconder defeitos e limites que carregamos.

É interessante perceber que, quando abrimos o nosso mundo ao outro, quando renunciamos às defesas, se estabelece com a outra pessoa um novo tipo de relação. Uma nova dinâmica passa a existir, não mais aquela da competitividade, mas da solidariedade. “Tenham coragem de confessar os vossos pecados” ...para começar a amar a vós mesmos e aceitarem-se entre si, pois, bem no fundo, são mais as coisas que unem as pessoas do que as que dividem, a começar pelos rumos e decisões erradas.

Alguém que aprende a amar a si mesmo pelo lado mais obscuro é também mais capaz de acolher o outro, é mais livre diante de tudo quanto a vida apresenta de inesperado. È isto que significa “conversão”, colocar-se na atitude de quem está disposto a abandonar a própria imagem, disposto a “superar a própria mentalidade” (meta nouV) às vezes cristalizada, e enriquecer-se pelas situações novas, pelas pessoas desconhecidas que Deus quiser oferecer a cada momento. A conversão é a lógica da mudança, escolhida como padrão de vida. Uma mudança que não é fuga nem caminho sem rumo, mas sim a atitude própria de quem permite a Deus e à comunidade movida pela fé, de agir com a sua força de projetar-nos sempre fora e além de nós mesmos.

Muitos, também entre os menos piedosos de Israel, haviam entendido o desafio de João; o gesto de “batismo” que pediam a João era o símbolo de seu desejo de mudança, transformação de vida. Belíssimo, mas ainda insuficiente para João. O batismo “na água” indicava o movimento que parte do homem o qual, modificando a si mesmo, se punha no caminho de purificação para se aproximar de Deus. Belíssimo, sim, mas insuficiente. João era portador de uma novidade: a purificação não é mais necessária como instrumento para se aproximar de Deus quando Deus inverte esta lógica, indo Ele mesmo ao encontro do homem. Jesus escolheu entrar no grupo daqueles que desejavam ser batizados, não porque precisava de “purificação” –como indicavam as abluções rituais- mas para indicar que este, o caminho da transformação, a decisão de deixar-se conduzir por Deus é realmente o caminho que salva.  O “reino de Deus está perto”, próximo de cada um que se dispõe à lógica da transformação. É o verdadeiro Batismo, o Batismo do Espírito de Deus que atrai a si e do homem que se deixa atrair e conduzir. O Batismo da água é insuficiente, pois parte de outros pressupostos que consistem no esforço humano e não na disponibilidade a deixar-se moldar, conduzir. O Batismo no Espírito, mergulhar no Espírito de Deus provoca em mim uma atitude bem diferente: é porque sinto que Deus está próximo de mim que eu desejo colocar-me na lógica da transformação, já que Deus é surpresa constante, proposta de superação de limites, infinitamente. É porque sei desta característica do amor de Deus que me deixo conduzir por Ele e renuncio a ser salvador de mim mesmo. È um novo caminho “o caminho do Senhor”. Parte da humilde e libertadora aceitação de nos mesmos e tem seu desfecho na possibilidade de “respirar” a presença de Deus, a qual, aos poucos, vai transformando, vivificando, extraindo de nós mesmos o melhor que Deus fez. João indicava o caminho enquanto se colocava ele mesmo neste caminho, como todos, na esperança, aguardando Aquele que ofereceria o verdadeiro “Batismo”: a transformação mais radical que acontece quando temos a sensibilidade de intuir, respirar a presença de Deus. É este o “Batismo do Espírito” que Jesus vem oferecer: uma lenta, progressiva e penetrante ação que unifica o Criador à criatura amada.

A conversão à qual nos convida a liturgia de hoje, é mais um apelo que Deus nos faz para sermos livres; pessoas que, aceitando a si mesmas, aceitam o mundo, os outros e preparam o terreno propício para que Jesus esteja presente em nossa vida como principio e penhor de felicidade.



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